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Autovetores e Autovalores em vibração mecânica

Segundo Meirovitch (1975), grande parte da engenharia moderna está relacionada à análise e predição do comportamento dinâmico de sistemas físicos. Um comportamento dinâmico típico desses sistemas é a vibração, que pode ser considerada como a oscilação em torno de uma posição de equilíbrio.

Dentre os vários parâmetros que podem ser analisados nessa área, as frequências naturais das estruturas/máquinas possuem enorme importância, pois fornecem uma base para a compreensão da dinâmica e predição do seu comportamento durante o funcionamento. Além disso, as estruturas respondem de formas bem específicas quando solicitadas nessas frequências. À essas formas dá-se o nome de modos de vibração.

Nesse contexto, percebe-se a importância da Análise Modal Experimental. Essa técnica consiste, basicamente, na extração dos parâmetros modais dos sistemas mecânicos: frequências naturais, modos de vibrar e fatores de amortecimento. Além disso, segundo Inman (2013), esses testes experimentais permitem a validação dos modelos analíticos e hipóteses assumidas durante o processo de criação do sistema, permitindo que o modelo seja utilizado com certo grau de confiança nos ambientes para os quais foi projetado. Um exemplo é exibido abaixo:

Atualmente, com o avanço da capacidade de processamento computacional e o advento do método dos elementos finitos, simulações que fornecem os parâmetros modais tornaram-se relativamente fáceis de serem executadas. Contudo, é importante que o engenheiro possua o conhecimento teórico sobre esse tema, o que permite uma melhor análise e avaliação dos resultados obtidos durante as simulações computacionais e análises experimentais.

Sendo assim, considere um sistema mecânico que possua 1 grau de liberdade. Sua equação dinâmica é dada por:

$$ \begin{equation} m \ddot{x} + c \dot{x} + kx = f(t) \end{equation} $$

Onde m é a massa do sistema, c é o amortecimento, k é a rigidez e f(t) é um possível forçamento.

Conforme Rao (2008), quando um sistema possui mais de um grau de liberdade, a equação dinâmica mantém a mesma estrutura, mas as matrizes mudam, como pode-se observar abaixo:

$$ \begin{equation} \begin{bmatrix} m_1 & 0 & 0 & ... & 0 & 0 \\ 0 & m_2 & 0 & ... & 0 & 0 \\ 0 & 0 & m_3 & ... & 0 & 0 \\ ... & ... & ... & ... & ... & ... \\ 0 & 0 & 0 & ... & 0 & m_n \\ \end{bmatrix} \begin{bmatrix} \ddot{x_1} \\ \ddot{x_2} \\ \ddot{x_3} \\ ... \\ \ddot{x_n} \\ \end{bmatrix} \end{equation} $$ $$ \begin{equation} + \begin{bmatrix} (c_1 + c_2) & -c_2 & 0 & ... & 0 & 0 \\ -c_2 & (c_2 + c_3) & -c_3 & ... & 0 & 0 \\ 0 & -c_3 & (c_3 + c_4) & ... & 0 & 0 \\ ... & ... & ... & ... & ... & ... \\ 0 & 0 & 0 & ... & -c_n & (c_n + c_{n+1}) \\ \end{bmatrix} \begin{bmatrix} \dot{x_1} \\ \dot{x_2} \\ \dot{x_3} \\ ... \\ \dot{x_n} \\ \end{bmatrix} \end{equation} $$ $$ \begin{equation} + \begin{bmatrix} (k_1 + k_2) & -k_2 & 0 & ... & 0 & 0 \\ -k_2 & (k_2 + k_3) & -k_3 & ... & 0 & 0 \\ 0 & -k_3 & (k_3 + k_4) & ... & 0 & 0 \\ ... & ... & ... & ... & ... & ... \\ 0 & 0 & 0 & ... & -k_n & (k_n + k_{n+1}) \\ \end{bmatrix} \begin{bmatrix} x_1 \\ x_2 \\ x_3 \\ ... \\ x_n \\ \end{bmatrix} \end{equation} $$ $$ \begin{equation} = \begin{bmatrix} F_1 \\ F_2 \\ F_3 \\ ... \\ F_n \\ \end{bmatrix} \end{equation} $$

Como a frequência natural é a frequência na qual o sistema tende a responder quando não há forçamento externo, sua equação dinâmica pode ser reescrita como:

$$ \begin{equation} M \ddot{\textbf{x}} + K \textbf{x} = \textbf{0} \end{equation} $$

Dentre as diversas possibilidade de associação entre o problema de vibração e a análise algébrica de autovalores/autovetores, utiliza-se o procedimento abordado por Inman (2013). Dessa forma, considere a fatoração da matriz de massa por meio da Decomposição de Cholesky .

$$ \begin{equation} M = LL^{T} \end{equation} $$

Onde M é a matriz de massa e L é uma matriz que possui somente elementos nulos acima da diagonal principal. É importante notar que a decomposição de Cholesky só é possível devido a característica positiva definida da matriz de massa, ou seja, seus autovalores são positivos e não nulos, gerando uma decomposição única.

Quando a matriz de massa é diagonal, pode-se substutir a matriz L da decomposição por uma matriz $M^{1/2}$, formada pelas raízes quadradas dos elementos da diagonal. Contudo, quando M é não diagonal, implicando o acoplamento dinâmico das massas do sistema, deve-se utilizar Cholesky.

Dessa forma, $M = M^{1/2}M^{1/2}$. Nesse ponto utiliza-se a matriz inversa de $M^{1/2}$ como um artifício matemático para uma mudança de coordenadas do sistema.

$$ \begin{equation} M^{-1/2} \end{equation} $$

Para completar essa mudança de coordenadas, considere a seguinte substituição na equação de movimento:

$$ \begin{equation} x(t) = M^{1/2} q(t) \end{equation} $$

Pós-multiplicando pela matriz inversa, tem-se:

$$ \begin{equation} M^{-1/2}MM^{-1/2} \ddot{\textbf{q}}(t) + M^{-1/2}KM^{-1/2}\textbf{q}(t) = \textbf{0} \end{equation} $$

O termo $M^{1/2}MM^{-1/2}$ gera a matriz identidade (execute os cálculos e confirme essa informação), enquanto o segundo termo, $M^{1/2}KM^{-1/2}$ gera uma matriz conhecida como matriz de rigidez normalizada pela massa. O sistema resultante possui a forma:

$$ \begin{equation} I \ddot{\textbf{q}}(t) + \kappa \textbf{q}(t) = 0 \end{equation} $$

A normalização do sistema ocorre em relação a matriz de massa, pois assim alcança-se as propriedades de ortogonalidade características dos autovalores/autovetores.

Para a resolução dessa equação, propõe-se uma resposta para o sistema com a seguinte forma:

$$ \begin{equation} \textbf{q}(t) = \textbf{v} e^{i \omega t} \end{equation} $$

Substituindo-se:

$$ \begin{equation} \ddot{\textbf{q}}(t) = - \omega^2 \textbf{v} e^{i \omega t} \end{equation} $$ $$ \begin{equation} - \omega^2 \textbf{v} e^{i \omega t} + \kappa \textbf{v} e^{i \omega t} = 0 \end{equation} $$ $$ \begin{equation} (- \omega^2 + \kappa) \textbf{v} e^{i \omega t} = 0 \end{equation} $$

Para se obter uma solução diferente da trivial, v deve ser não nulo. Portanto, tem-se:

$$ \begin{equation} \kappa \textbf{v} = \omega^2 \textbf{v} \end{equation} $$

Sendo essa última equação equivalente ao problema simétrico de autovalores. Ao resolver esse sistema de equações, os autovalores tornam-se as frequências naturais e os autovetores, os modos de vibração da estrutura.

Referindo-se novamente ao poder computacional atual, muitas rotinas em linguagens de programação (como o MATLAB) foram desenvolvidas para a resolução de problemas de autovalores/autovetores, permitindo a rápida investigação da alteração de vários parâmetros no sistema.

Como exemplo, observe o sistema da figura abaixo:

Sua equação dinâmica, considerando-se $c_1 = c_2 = c_3 = 0$, possui a forma:

$$ \begin{equation} \begin{bmatrix} m_1 & 0 & 0 \\ 0 & m_2 & 0\\ 0 & 0 & m_3\\ \end{bmatrix} \begin{bmatrix} \ddot{x_1} \\ \ddot{x_2} \\ \ddot{x_3} \\ \end{bmatrix} \end{equation} $$ $$ \begin{equation} + \begin{bmatrix} k_1 + k_2 & -k_2 & 0\\ -k_2 & k_2 + k_3 & -k_3 \\ 0 & -k_3 & k_3 \\ \end{bmatrix} \begin{bmatrix} x_1 \\ x_2 \\ x_3 \\ \end{bmatrix} = \begin{bmatrix} 0 \\ 0 \\ 0 \\ \end{bmatrix} \end{equation} $$

Atribui-se os seguintes valores aos parâmetros apenas a nível de investigação: $m_1 = 1 kg$, $m_2 = 2 kg$, $m_3 = 1 kg$, $k_1 = 1 N/m$, $k_2 = 1 N/m$ e $k_3 = 2 N/m$. Resolvendo-se o problema de autovalores-autovetores associado, obtém-se para os modos de vibração:

Observa-se que as formas modais fornecem o comportamento das massas (estruturas) em determinada frequência (frequências naturais)

Algo interessante ocorre quando atribuimos rigidez nula à primeira mola $(k_1 = 0)$. Os resultados são exibidos abaixo:

Embora possa não ser intuitivo, o resultado está correto. Observa-se que a frequência natural do primeiro modo é nula. Isso indica que não há movimento relativo entre os corpos, ou seja, todos movem-se simultaneamente. Tal característica indica que o sistema move-se como um corpo rígido. Dessa forma, é possível obter até 6 frequências nulas para corpos rígidos no espaço (3 graus de translação e 3 graus de rotação).

Talvez surja a dúvida sobre por quê utilizar esse procedimento na resolução do problema de vibração. Bem, é importante notar a possibilidade da utilização da matriz modal (matriz formada pelos autovetores) para o desacoplamento do sistema. Isso é possível pois os modos de vibração, quando agrupados em uma matriz, geram um espaço de autofunções que expande toda a resposta do sistema. Ou seja, qualquer resposta do sistema poderá ser obtida por meio da combinação linear dos modos de vibração, considerando-se sistemas lineares. Contudo, essa é uma conversa para outra hora.

Referências:

Comparison of Modal Parameters Extracted Using MIMO, SIMO, and Impact Hammer Tests on a Three-Bladed Wind Turbine, Experimental Mechanics Series 2014, pp 185-197

CLOUGH, R. W.; PENZIEN, J. Dynamics of structures. berkeley. CA: Computers and Structures, 2003.

DANIEL, J. I. et al. Engineering vibration. INMAN, Pearson Education, Prentice Hall,, p. 51, 2001.

JR, W. W.; TIMOSHENKO, S. P.; YOUNG, D. H. Vibration problems in engineering. [S.l.]: John Wiley &< Sons, 1990.

MEIROVITCH, L. Elements of vibration analysis. [S.l.]: McGraw-Hill Science, Engineering & Mathematics, 1975.

RAO, S. S. Vibrações mecânicas . [S.l.]: Pearson Educación, 2009.

SAVI, M. A.; PAULA, A. S. de. Vibrações mecânicas. Rio de Janeiro: LTC, p. 22, 2017.

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